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PROJECT DETAILS
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Curadoria: Pablo Berástegui Lozano
RIVVAElisa Azevedo, em parceria com Rivva
artistas: Elisa Azevedo, em parceria com Rivva; e a colaboração de Mara Flora e Dianna Excel
O TEMPO DO OUTRO
por Pablo Berástegui Lozano
1. Rivva surgiu do encontro entre duas amigas, a fotógrafa Elisa Azevedo e a própria Rivva, num período importante das suas vidas, que decidiram registar e partilhar. É o fim da juventude, dos anos de formação, uma nova etapa na qual alguns aspetos fundamentais da sua forma de estar no mundo serão consolidados. Ambas propõem um trabalho dialógico que lhes permite questionar um dos pressupostos mais frequentes do ato fotográfico, invertendo o papel da pessoa a ser fotografada - o objeto fotográfico tradicionalmente passivo - que se torna sujeito ativo, ou seja, coautor.
Esta troca tem lugar durante um período de dois anos, coincidindo com um processo de transformação pessoal carregado de poder, que abordam delicadamente, de uma forma quase esquemática, sem querer que o assunto capitalize toda a atenção das imagens resultantes. Assim, ambas constroem um universo subtil e íntimo, recriando situações que evocam mais do que dizem. Para tal, recolhem objetos que sugerem, que ajudam a recriar ambientes, geralmente monocromáticos, repletos de evocação e simbolismo. O objetivo não é contar uma história, mas sim partilhar um lugar a partir do qual nos possamos relacionar com o outro, neste caso, com a amiga ao seu lado.
2. No seu ensaio "A Expulsão do Outro”, o filósofo Byung-Chul Han dedica um capítulo do seu livro a destacar a importância do ato de ouvir. Uma capacidade cada vez mais rara, que irrompe com o narcisismo que se tornou uma característica essencial de uma sociedade marcada pela hiperprodução e pelo recurso ao "gostar". "O ego não ouve"(1), como descobre o conhecido pensador sul-coreano.
Elisa Azevedo parece não ter dificuldade em ouvir ou prestar atenção ao outro. O seu olhar não é apressado, apesar da sua juventude. Não demonstra necessidade de marcar o seu território, o da sua obra artística, mas abre-o à sua amiga, libertando-a da sua alteridade, como diria Han. "Ouvir tem uma dimensão política"(2), salienta o filósofo noutro ponto. E é face a esta possibilidade política, quando se trata de construir a nova polis, que este projeto revela um possível caminho a seguir, que está relacionado com o que o autor conclui em seguida: "sem ouvir, não há comunidade". Este poder de criar uma comunidade através do ato de ouvir é explorado na exposição aqui apresentada, na qual o diálogo é ampliado para incluir outras vozes, abrindo-se ao mesmo tempo a futuras ativações durante a exposição. Desta forma, o diálogo inicial é multiplicado e enriquecido pela participação de outras pessoas, na esperança de construir um espaço rico a partir do qual possamos dedicar a nossa atenção ao "tempo do outro".
Uma pequena comunidade de criadores que inclui na apresentação atual o trabalho da designer Mara Flora, cujas peças de vestuário foram escolhidas no processo fotográfico para realçar o corpo em mutação e que agora são exibidas juntamente com as fotografias em que são retratadas; e a sonoplastia de Dianna Excel, que, a partir de uma posição partilhada com a protagonista, recolhe sons e organiza-os, combina-os e sequencia-os para nos acompanhar nesta viagem.
3. Rivva é também, no âmbito de um programa dedicado ao desenvolvimento da ideia de Outros Portos (Novos), uma metáfora que nos fala da transição. A metáfora como ferramenta cognitiva para pensar o abstrato. Transição, referindo-se às cidades e aos corpos que as habitam. Compreender a cidade como uma rede de transições é a chave para um crescente movimento comunitário que aspira a cidades mais habitáveis e menos poluentes, nas quais são experimentados novos modelos de governação. Transition Network, que é o nome original do movimento, tem uma divisão portuguesa desde 2013 e, tal como outros grupos e núcleos em todo o mundo, trabalha para criar "comunidades locais mais resilientes e com uma cultura humana saudável" (3).
Este interesse em explicar a cidade como um organismo vivo e mutável tem antecedentes que remontam à década de 1950, quando alguns pensadores da cidade, como o alemão Hans Bernhard Reichow, começaram a considerar a cidade como um organismo vivo a fim de estudar o seu funcionamento com base nas características da natureza dos organismos (4). A cidade como entidade homeostática, com capacidade de autorreparação e autorregulação até encontrar um equilíbrio dinâmico, influenciou outras abordagens que vão desde o Novo Urbanismo, defendido por Jane Jacobs, que defendia usos mistos e planeamento ascendente (bottom-up) ao movimento Urbanismo Ciudadano, característico de algumas das grandes cidades da América Latina. Ambas as visões colocam as pessoas no centro.
Assim, a exposição permite-nos interpretações que vão desde o individual ao coletivo e oferece-nos um espaço de encontro, para propor novas confluências que nos ajudam a aproximar-nos dos portos novos que já se encontram à vista.
Han, Biung-Chul. “La expulsión de lo distinto”, Herder Editorial, S.L:, Barcelona 2017, p. 116
Ibíd. p. 120
Transiçao Portugal. Documento en línea, consultado en enero de 2022, <https://www.transicaoportugal.net/sobre-nos/o-que-e-a-transicao/>
Sohn, Elke. Organicist concepts of city landscape in German planning after the Second World War, Landscape Research, 2007.
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